Um amigo me
indicou o artigo do professor Luiz Carlos de Freitas [Os reformadores empresariais da educação] e – por causa da euforia que me contagiou durante a leitura –
resolvi anotar alguns pontos e apresentá-los aqui.
Para começar,
o texto é com certeza do tipo "TENHO QUE LER", caso você seja um
educador, pesquisador ou entusiasta da área.
Na primeira
metade do artigo o professor traça as questões – baseadas em diversos estudos –
sobre o que as políticas educacionais, nos EUA, de fomento à responsabilização e
meritocracia realmente geraram, bem como quem eram e o que queriam os
interessados na implantação de tais reformas nos sistemas – vendidas como
melhoria de gestão.
No contexto de
terras guaranis, algo que acabei relacionando são os livros de outro professor
Luiz [Antônio Cunha] que pesquisa a História do ensino profissional no Brasil.
A relação me leva a pensar sobre um possível "vácuo deixado" pela
Igreja no controle do (influência no) sistema educacional brasileiro, que o
empresariado está ocupando. No entanto, como relatado nos livros do professor
Cunha, isso não é um fenômeno recente.
"O tecnicismo se apresenta, hoje, sob a forma de uma 'teoria da responsabilização', meritocrática e gerencialista, onde se propõe a mesma racionalidade técnica de antes na forma de 'standards', ou expectativas de aprendizagens medidas em testes padronizados, com ênfase nos processos de gerenciamento da força de trabalho da escola (controle pelo processo, bônus e punições), ancorada nas mesmas concepções oriundas da psicologia behaviorista, fortalecida pela econometria, ciências da informação e de sistemas, elevadas à condição de pilares da educação contemporânea. Denominamos esta formulação 'neotecnicismo' (FREITAS, 2012; p.5).""As recompensas e sanções compõem o caráter meritocrático do sistema...Ela está na base da proposta política liberal: igualdade de oportunidades e não de resultados. Para ela, dadas as oportunidades, o que faz a diferença entre as pessoas é o esforço pessoal, o mérito de cada um. Nada é dito sobre a igualdade de condições no ponto de partida. No caso da escola, diferenças sociais são transmutadas em diferenças de desempenho e o que passa a ser discutido é se a escola teve equidade ou não, se conseguiu ou não corrigir as 'distorções' de origem, e esta discussão tira de foco a questão da própria desigualdade social, base da construção da desigualdade de resultados (FREITAS, 2012; p.5)."
Pierre
Bourdieu chama essas transmutações das diferenças sociais iniciais de:
Conversão da herança de capital cultural em passado escolar.
Políticas
para atrair os mais bem preparados para o magistério NINGUÉM PROPÕE! Querem
usar o mínimo de incentivos para alcançar a "produtividade"
necessária.
O professor
Martin Carnoy disse num seminário em São Paulo algo como: “Existem diversos
caminhos (soluções) para reduzir as desigualdades sociais [no caso desse texto
do prof. Freitas, as distorções de origem] e a Educação é uma das mais caras”!
"Praticar política pública sem evidência empírica, mais do que gastar dinheiro inadequadamente, caracteriza violação da ética já que não se devem fazer experimentos sociais com ideias pouco consolidadas pela evidência empírica disponível. A avaliação mexe com a vida de alunos, professores, pais e gestores (FREITAS, 2012; p.8)."
Um ponto interessante na argumentação do professor Freitas sobre a privatização do sistema público de educação brasileiro são os programas do governo federal ProUni e Pronatec, que apesar da questão levantada pelo professor, precisamos analisar se o governo deveria ter deixado esse NEGÓCIO da educação sucumbir, ou se deveria ter capitalizado o setor como foi feito pelos programas. No artigo da Carta na Escola, neste link, o assunto é discutido um pouco.
“Pode-se dizer que, de fato, a [responsabilização e a meritocracia] visam criar ambiência para ampliar a privatização do sistema público de educação...O conceito de público estatal e público não estatal abriu novas perspectivas para o empresariado: a gestão por concessão.A outra modalidade de privatização..., a instituição de 'bolsas' [é] transferência de verbas públicas para a iniciativa privada.O argumento central e oportunista dos defensores desta estratégia desresponsabiliza o Estado pela educação pública (FREITAS, 2012; p.8).”
Já com relação ao desenvolvimento do currículo, o professor Freitas nos dá um tapa na cara para acordarmos do feitiço do “senso comum” que nos diz: o simples, mínimo, básico é o melhor.
"A argumentação de que o básico é bom porque tem que vir em primeiro lugar é tautológica, ou seja, nos leva a acreditar que 'o básico é bom porque é básico'. O efeito é que, a partir deste estereótipo, não pensamos mais. Com esta lógica de senso comum, são definidos os objetivos da 'boa educação'. Mas o básico exclui o que não é considerado básico – esta é a questão. O problema não é o que ele contém como 'básico', é o que ele exclui sem dizer, pelo fato de ser 'básico'. Este é o 'estreitamento curricular' produzido pelos 'standards' centrados em leitura e matemática. Eles deixam de fora a boa educação que sempre será mais do que o básico (FREITAS, 2012; p.12)."
Em diversos
pontos do texto o professor destaca a segregação gerada pelas políticas de
bônus que incentivam as escolas a filtrarem seus alunos. Esta variável
correlaciona-se ao que o professor Carnoy chama de fator de seleção, no qual os
pais e a comunidade mais preocupados com a formação de suas crianças procuram
essas escolas com “melhor desempenho” – isolando as crianças provenientes de
lares que não tiverem essa preocupação (ou acesso à informação). Isso sem
discutir os incentivos para burlar a lei.
"Fraudes: um dos efeitos colaterais de políticas de controle...Donald Campbell (1976, p. 49): 'Quanto mais um indicador social quantitativo é utilizado para fins sociais de tomada de decisão, mais sujeito ele estará à pressão de corrupção e mais apto ele estará a distorcer e corromper os processos sociais que se pretende monitorar' (FREITAS, 2012; p.14)."
Na questão da
precarização da formação de professores, posso dizer por experiência, o vício
que o material apostilado gera é difícil de largar. Depois de anos em curso
pré-vestibular, quando você precisa elaborar um material de aula, a tarefa
torna-se hercúlea.
"O apostilamento das redes contribui para que o professor fique dependente de materiais didáticos estruturados, retirando dele a qualificação necessária para fazer a adequação metodológica, segundo requer cada aluno (FREITAS, 2012; p.16)."
Vários pontos do artigo do professor Freitas tornam claro para mim o que levou meu amigo a recomendar a leitura para um tecnicista como eu. Mas a última seção fecha a discussão com chave de ouro, pois devemos brigar com unas e dentes pela preservação e, mais ainda, pelo fortalecimento da nossa jovem democracia.
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